domingo, 4 de abril de 2010

"pela última vez sobre a superfície lunar da terra"*

antónio guerreiro lê um toldo vermelho e premeia-o com cinco estrelas expressas - o que seria de nós, os que se interessam por poesia, se não comprar o expresso fosse uma opção. cinco estrelas e uma frase final que merece ser repetida: "a poesia anterior de joaquim manuel magalhães continua disponível e serve-nos de vingança. é a guerra".
peguemos por aqui: guerreiro, talvez imbuído pela analogia ao seu nome, mantém acesa a declaração de guerra que magalhães sempre preconizou para a poesia, uma guerra em que se quer pensar que existe uma poesia certa e uma errada ou,de uma forma ainda mais radical, que a poesia é isto e nunca aquilo. mantém-se acesa essa declaração de guerra como no resumo dos quatro onde, por quatro euros, somos levados a pensar que a poesia portuguesa são 35 nomes, seleccionados de 30 publicações, as quatro mais representadas sendo números de apenas duas revistas. a declaração de guerra de se pensar que toda a poesia é apenas uma casa, uma visão do mundo, por mais sufocante que ela ameace ficar, tão impermeável a leituras externas parece. mantém-se acesa essa declaração de guerra, de pensar que a poesia é um feudo, um território por conquistar, pior, a poesia portuguesa é um recinto, onde direito à exposição, à elaboração de gerações, de princípios e de causas comuns cabe apenas aos iluminados. a guerra de quem está dentro, dentro está, sem convites, sem aparições.
caro guerreiro, a guerra não é essa. a guerra não é contra os poetas, contra os leitores, contra os livros. a guerra é a convivência com a palavra. a guerra é a leitura aberta, sincera e desejosa desse choque que promove a reflexão, a reprodução inventiva. a guerra é a tradição e a impossibilidade segura da sua compreensão total. a guerra é lermos e lermos e sentirmos, ainda assim, que a nossa sensação perante o acontecimento poético vai diferindo, passo a passo. a guerra não é matar o passado - é saber vivê-lo e continuar a produzir sem a ele estarmos presos.
recuso toda a guerra que não seja uma guerra pela vitória da poesia. recuso toda a guerra que não seja pela abertura do campo de visão, do sonho, da literatura. recuso as vossas repetidas declarações de guerra, também. reivindico a soberania da palavra. reivindico a soberania do diálogo. reivindico a soberania da beleza. reivindico a possibilidade da paz para enfrentar o verdadeiro combate. tudo o resto é desgaste inconsequente. nada mais.


* retirado do poema "praia do amanhã", de manuel de freitas, no livro terra sem coroa.